domingo, 1 de agosto de 2021

DESPEDIDA POR “JUSTA CAUSA”: é possível revertê-la na Justiça do Trabalho?

Na última semana publicamos matéria sobre a Rescisão Indireta do Contrato de Trabalho, que, como o próprio nome sugere, trata-se de uma forma indireta do trabalhador postular a rescisão do contrato de emprego, sem abrir mão dos seus direitos, quando o empregador comete qualquer das faltas graves previstas no Art. 483, da CLT.

Hoje, ao avesso da Rescisão Indireta, discorreremos sobre a Justa Causa, modalidade de rescisão do contrato também prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, de modo especial no Art. 482, em virtude do cometimento de falta grave por parte do empregado.

A falta grave suscetível de autorizar a aplicação da justa causa, medida extrema que acarreta graves prejuízos ao trabalhador, não pode ser interpretada como qualquer comportamento do obreiro, mesmo que reprovável, mas apenas aqueles previstos em lei, que por sua natureza inviabilizam a continuidade da relação empregatícia em decorrência da quebra de confiança e boa-fé intrínseca ao contrato de emprego. O ato faltoso tanto pode originar-se do descumprimento das obrigações contratuais quanto de comportamentos inadequados do empregado.

Segundo a norma inserta no Art. 482, da CLT, constituem motivos para decretação da justa causa e rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

a) Ato de improbidade: a palavra improbidade do laim improbitas, que significa má qualidade, imoralidade, desonestidade, consiste em qualquer conduta do trabalhador no intento de furtar ou apropriar-se, para si ou para outrem, de objetos, valores ou cometer qualquer ato visando auferir vantagens em prejuízo do patrimônio da empresa, como, por exemplo, alteração de apontamentos de horas extras, apropriação indébita de importância do caixa, apresentação de atestados médicos falsos, dentre outras.

Essa falta, se comprovada pelo empregador, é considerada gravíssima e os Tribunais Superiores entendem que não há necessidade de aplicação de advertência ou suspensão prévia, tendo em vista que esse tipo de conduta abala instantaneamente a relação de confiança que existia antes, independentemente do tamanho do prejuízo causado ao patrimônio da empresa;

b) Incontinência de conduta ou mau procedimento: a incontinência está ligada ao desregramento do empregado no tocante à vida sexual e restará configurada quando este cometer assédio sexual, ofensa ao pudor, pornografia ou obscenidade em face do empregador ou demais colegas de trabalho. Já o mau procedimento, por ser muito subjetivo, pode ser considerado qualquer ato faltoso não previsto no rol do art. 482, da CLT, o que torna muito difícil a aplicação da despedida por justa causa por esse último motivo;

c) Negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço: a negociação habitual apta a ensejar a justa causa, é aquela que ocorre sem a permissão do empregador e quando constituir ato de concorrência à empresa, ou for prejudicial ao serviço.

Apenas a título de exemplo, se o empregador permite que a recepcionista ofereça e venda perfumes, bijuterias ou maquiagens aos clientes, se a negociação não constitui concorrência com o ramo de atividade da empresa, não prejudicando o desenvolvimento do serviço, não é motivo para demissão por justa causa;

d) Condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena: o empregador somente poderá rescindir o contrato de trabalho em virtude de condenação criminal se a Sentença já transitou em julgado. Se o processo ainda encontra-se passível da apreciação de Recursos perante os Tribunais Superiores, a Sentença condenatória de primeiro grau ainda poderá ser revertida e o empregado absolvido, razão pela qual a condenação criminal ensejadora da demissão por justa causa, seja qual for o crime praticado, é aquela que já transitou em julgado, cuja prova deve ser feita com a devida Certidão de Transito em julgado, expedida pelo juízo da Vara Criminal em que o trabalhador foi processado.

e) Desídia no desempenho das respectivas funções: a desídia restará configurada quando comprovado que o empregado labora com negligência, preguiça, má vontade, desleixo, desatenção. Trata-se de espécie de falta que, em decorrência da subjetividade das condutas epigrafadas, dificulta bastante a comprovação do ato e por consequência a aplicação da justa causa;

f) Embriaguez habitual ou em serviço: a embriaguez pode ser proveniente de álcool ou de drogas e o que a legislação trabalhista tipifica como justa causa é a embriaguez habitual e não o simples ato de beber, independentemente de ser no serviço ou não. Para tanto, o empregador deverá comprovar que o empregado embriaga-se habitualmente, mesmo que fora do serviço, de modo prejudicar o desempenho das suas atividades no trabalho. O ato de beber, mesmo que habitualmente, uma dose de aperitivo no intervalo do almoço não pode ser motivo para demissão por justa causa, pois o que a lei tipifica é a embriagues habitual.

Cumpre ressaltar que o alcoolismo foi reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde – OMS, inclusive já passou a constar na Classificação Internacional de Doenças (CID) nos seguintes códigos: CID 10 (transtornos mentais e do comportamento decorrentes do usos de álcool); CID 291 (psicose alcoólica); CID 303 (síndrome de dependência do álcool) e CID 305 (abuso do álcool sem dependência), razão pela qual entendemos que, comprovado que o trabalhador é portador de qualquer das CIDs mencionadas, jamais poderá ser dispensado por justa causa, mas encaminhado para o INSS a fim de requerer a concessão de Auxílio Doença, mantendo-se o contrato de trabalho suspenso até integral recuperação do trabalhador.

g) Violação de segredo da empresa: comete falta grave o trabalhador que viola segredo da empresa, dentre os quais: a divulgação de marcas e patentes, fórmulas utilizadas na fabricação de produtos, etc. Um exemplo clássico comumente utilizado pela doutrina seria a hipótese de um funcionário da Coca-Cola divulgar ou vender a fórmula de fabricação da Coca, tão cobiçada, para outra empresa do ramo.

h) Ato de indisciplina ou de insubordinação: comete ato de indisciplina o empregado que, mesmo tendo conhecimento, se recusa cumprir o regulamento interno da empresa, normalmente disponibilizado através de circulares, portarias, como por exemplo, as determinações do empregador quanto as normas de segurança do trabalho ou uso dos Equipamentos de Proteção Individual – EPIs. Por ouro lado, comete insubordinação o empregado que não cumpre as ordens e determinações advindas diretamente da pessoa do empregador ou prepostos da empresa. Não existe contrato de emprego sem subordinação. Ou o trabalhador aceita ser subordinado ao patrão, ou não existe relação de emprego entre eles.

Bom lembrar que a subordinação não obriga o empregado cumprir qualquer ordem do empregador, tendo em vista que o já estudado art. 483, “a”, da CLT, que trata das faltas graves cometidas pelo empregador, é categórico ao assegurar que o trabalhador não está obrigado a realizar serviços superiores às suas forças, proibidos por lei, contrários aos bons costumes, ou distinto daquele para o qual foi contratado. Diante de qualquer destas hipóteses, poderá o trabalhador recusar-se sem perigo ser demitido por justa causa.

i) Abandono de emprego: resta configurado o abandono de emprego quando o empregado, intencionalmente, abandona o posto de trabalho por mais de 30 dias contínuos sem apresentar motivos. Segundo o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 dias, após ao termino do benefício previdenciário.

Ao contrário do que muitos pensam, a empresa não está obrigada a notificar previamente o trabalhador para retornar ao posto de trabalho, como era comum observa-se em classificados de jornais. Muitas empresas adotam a notificação judicial ou extrajudicial como forma de garantir segurança na hora de formalizar a demissão do trabalhador por justa causa.

j) Ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem: comete falta grave o empregado que fere a honra e a boa fama do empregador, ou qualquer pessoa dentro da empresa, com atitudes, palavras ou gestos, normalmente manifestados por calúnia, injúria e difamação. Incorrerá na mesma falta o empregado que praticar ofensas físicas contra as mesmas pessoas, salvo em caso de legítima defesa própria ou de outrem.

l) Prática constante de jogos de azar: é ônus do empregador comprovar que a prática de jogos de azar é habitual e, principalmente, se prejudica o desenvolvimento da atividade. Se o trabalhador pratica o ato de forma isolada, não há que se cogitar em justa causa. Segundo o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, para configuração desta modalidade de falta grave, pouco importa se o jogo habitual é ou não a dinheiro.

m) Perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado. (Incluído pela Lei nº 13.467/2017 – Reforma Trabalhista): poderá também ser demitido por justa causa o empregado que perdeu a habilitação ou os requisitos exigidos por lei para o exercício da profissão. É ônus da empresa provar que o fato se deu em decorrência de conduta dolosa do empregado. Cite-se como exemplo o médico que perdeu o direito de exercer a profissão após ser condenado pelo Conselho de Medicina, após praticar conduta dolosa no exercício da profissão.

Dispõe ainda o Parágrafo único do art. 482, da CLT, que constitui igualmente justa causa a prática, devidamente comprovada em inquérito, de atos atentatórios à segurança nacional.

DE QUEM É O ÔNUS DA PROVA

Conforme já exposto, a jurisprudência de diversos Tribunais Regionais do Trabalho, inclusive do TST, é uníssona no sentido de que a comprovação dos elementos caracterizadores da justa é ônus do empregador, dos quais deve se desvencilhar nos termos do inciso II, do art. 818, da CLT. In verbis:

- DESPEDIDA POR JUSTA CAUSA. A despedida por justa causa constitui a pena mais grave que pode ser aplicada ao empregado, exige robusta comprovação em juízo acerca do ato faltoso, quanto à sua materialidade e autoria, cujo ônus recai sobre o empregador que o alega. Não tendo a reclamada comprovado a prática do alegado ato de desídia pelo empregado, a justificar a sua despedida motivada, impõe-se o reconhecimento da despedida sem justa causa. (...) (Processo 0143600-92.2009.5.04.0401 (RO) Redator:IRIS LIMA DE MORAES Data: 30/01/2013 Origem: 1ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul).

 

- DESPEDIDA POR JUSTA CAUSA. É ônus da empregadora comprovar que o empregado cometeu a falta grave alegada, por ele negada. Não tendo produzido provas neste sentido, é irreformável a decisão que converteu a despedida por justa causa em despedida injusta, condenando-a em verbas rescisórias.(...) (Processo 0350200-12.2005.5.04.0232 (RO) Redator:MARIA CRISTINA SCHAAN FERREIRA Data: 28/06/2007 Origem: 2ª Vara do Trabalho de Gravataí).

Ressalte-se, ainda, que para justificar a ruptura do contrato de trabalho por justa causa, é imprescindível que o empregador apresente, além da prova irretorquível do cometimento da FALTA GRAVE, a ATUALIDADE e a PROPORCIONALIDADE da sanção aplicada, sob pena de reversão da justa causa pelo Poder Judiciário.

COMO PROCEDER O TRABALHADOR EM CASO DE DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA

Pois bem, comprovada qualquer das faltas graves mencionadas, o empregador poderá demitir o empregado por justa causa. Para tanto, considerando as especificidades de cada caso, se você foi demitido por justa causa, é recomendável que a situação seja analisada minuciosamente por um advogado especialista no assunto, a fim de aferir a legalidade da demissão, de modo especial se foram observados todos os requisitos exigidos por lei, sob pena de violação aos mais elementares princípios do direito do trabalho.

A rescisão por “justa causa” poderá ser revertida através do ajuizamento de Ação Judicial competente perante uma das Varas do Trabalho.

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