quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Segunda Seção do STJ reafirma que bem de família do fiador em contrato de aluguel é penhorável

Ministro Luis Felipe Salomão, relator do
Recurso Especial no STJ
Em julgamento de recurso especial sob o rito dos repetitivos (artigo 543-C do Código de Processo Civil), a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou a tese de que é possível a penhora de bem de família de fiador apontado em contrato de locação, ante o que dispõe o artigo 3º, inciso VII, da Lei 8.009/90.


De acordo com o dispositivo, a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

O colegiado, de forma unânime, seguiu a jurisprudência já firmada pelo STJ e também pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “A jurisprudência desta corte é clara no sentido de que é possível a penhora do bem de família de fiador de contrato de locação, mesmo quando pactuado antes da vigência da Lei 8.245/91, que alterou o artigo 3º, inciso VII, da Lei 8.009”, afirmou o relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão.

O processo

A ação de cobrança de aluguéis e encargos locatícios foi ajuizada por um espólio. O juízo de primeiro grau acolheu o pedido e declarou rescindido o contrato de locação, decretou o despejo e condenou todos os réus, solidariamente, ao pagamento dos aluguéis e encargos da locação vencidos e os vincendos até a data da desocupação do imóvel.

A sentença transitou em julgado, e o espólio iniciou o seu cumprimento, tendo sido penhorados imóveis dos fiadores, que apresentaram exceção de pré-executividade. Entre outras questões, sustentaram a inconstitucionalidade do artigo 3º, da Lei 8.009. O juízo, no entanto, rejeitou a alegação de impenhorabilidade do bem de família em vista dos precedentes judiciais.

Os fiadores recorreram, e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) tornou insubsistente a penhora que recaiu sobre um dos imóveis. “A pretensão de expropriação do imóvel residencial do fiador ganha maiores contornos de inadmissibilidade quando, em comparação com o direito posto ao devedor principal, percebe-se que a garantia negada ao garantidor é amplamente assegurada ao afiançado”, afirmou o tribunal.

Decisão reformada

Em seu voto, o ministro Salomão destacou que, conforme o artigo 1º, da Lei 8.009, o bem imóvel destinado à moradia da entidade familiar é impenhorável e não responderá pela dívida contraída pelos cônjuges, pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas no artigo 3º da norma.

“Infere-se, pois, que a legislação pátria, a par de estabelecer como regra a impossibilidade de se impor a penhora sobre bem imóvel destinado à moradia do indivíduo e de sua família, excetuou a hipótese do fiador em contrato de locação, permitindo que tal gravame seja lançado sobre o imóvel”, concluiu Salomão.

Entretanto, o ministro ressaltou que há divergência na doutrina sobre o tema em discussão. De um lado, autores como José Rogério Cruz e Tucci e Carlyle Popp entendem que o bem de família do fiador não pode ser penhorado para satisfação de débito em contrato de locação.

Por outro lado e em conformidade com a jurisprudência do STJ e do STF, doutrinadores como Álvaro Villaça Azevedo, Alessandro Segalla e Araken de Assis defendem ser legítima a penhora, com base no artigo 3º, da Lei 8.009.

No caso julgado, a decisão do TJMS, ao considerar inválida a penhora sobre o bem de família de fiador de contrato locatício, contrariou o artigo 3º e divergiu do entendimento já pacificado no STJ e também no STF, razão pela qual foi reformada.

Fonte: STJ



FIQUE POR DENTRO DO ASSUNTO:

Como se sabe, a penhora de bens é utilizada em processos judiciais, notadamente na fase de execução (cumprimento) das sentenças condenatórias.  É ato pelo qual, se dar em garantia de uma dívida, um bem de igual ou maior valor até o cumprimento da obrigação, sob pena do mesmo se levado a hasta pública, ou seja leiloado, para pagamento integral da dívida.

Entretanto, existem bens que não podem ser penhorados para garantia de dívidas contraídas por seus proprietários. E um exemplo clássico é o do “bem de família”

A Lei 8.009 de 29 de março de 1990, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, determina em seu art. 1°, que:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei.

Em que pese à utilização da expressão “imóvel”, utilizada pelo legislador no caput do dispositivo de lei mencionado, dispõe o seu parágrafo único que a referida impenhorabilidade também deve compreender o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.
  
Insta ressaltar que no que tange a impenhorabilidade dos “móveis que guarnecem a casa”, a jurisprudência (reiterados pronunciamentos/decisões dos tribunais sobre fatos idênticos ou semelhantes) repetida pelos diversos tribunais autorizam a realização da penhora quando o oficial de justiça constatar, no momento da realização do ato, a existência repetida de alguns móveis na guarnição da casa – por exemplo: 2, 3 ou mais TVs, etc.

No que tange a ressalva “desde que quitados”, anunciada na parte final do parágrafo sob análise, dispõe a lei que, em que pese a impenhorabilidade, independente de quantos bens existam no interior da residência, o móvel poderá ser penhorado, desde que para garantir a execução de créditos judiciais oriundos de dívidas contraídas na compra do PRÓPRIO bem.

Isso implica dizer que se o crédito que está sendo executado no judiciário é oriundo do inadimplemento de uma televisão que o executado comprou a prazo e não pagou, independentemente de ser a única TV existente no interior da residência, o bem – televisão objeto da compra inadimplida – pode sim ser penhorado.

Apenas uma breve ressalva: o art. 2°, da Lei 8.009/90, não considera veículos automobilísticos, obras de arte e adornos luxuosos como impenhoráveis.  Sendo assim, muito cuidado com as Lamborghinis de luxo, com as obras de artes do mestre Pablo Picasso e com os diversos lustres de ouro!

No que tange a matéria sob análise

Como toda regra tem suas exceções, a exceção a regra da impenhorabilidade dos bens de família – que pode ser arguida em qualquer processo judicial –, encontra previsão legal já no art. 3°, da própria lei que versa sobre a impenhorabilidade do “Bem de Família” – Lei 8.009/90 –, notadamente ao dispor que a impenhorabilidade não será oponível nos seguintes casos:

a) em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias (Dividas com trabalhadores domésticos regidos pela Lei 5.859/72: empregadas domésticos, caseiros, jardineiros, enfermeiros da própria casa, motoristas, mordomos, babás, etc.);

b) dívidas oriundas de financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato (imóveis financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação  e créditos contratados para própria construção do imóvel);

c) dívidas oriundas de pensão alimentícia;

d) – créditos inerente a impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar (Dívidas com IPTU, por exemplo);

e) para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar (Hipoteca é um direito real de garantia geralmente pactuado nos contratos de financiamentos bancários);

f) imóvel adquirido como produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória e ressarcimento, indenização ou perdimento de bens (Ex.: para pagamento de indenização por danos ocasionados a família da vítima em virtude de homicídios, lesões corporais graves, etc.);

Por derradeiro, a lei autoriza a penhorabilidade do bem de família para garantir obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, ou seja, o bem do fiador pode ser executado para pagamento de aluguéis não adimplidos pelo locatário no contrato de locação. E esse foi o entendimento do STJ no julgamento do Recurso Especial, razão pela qual é necessário tomar muito cuidado com garantias em contratos dessa espécie.


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RONALDO MARINHO é bacharel em Direito pela FACISA - Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Campina Grande, Paraíba -, Advogado, com Pós-graduação em Direito Trabalhista e Previdenciário, membro do Escritório MARINHO Advocacia.

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