quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Cuidadora de idosa obtém reconhecimento de vínculo doméstico

A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o vínculo de emprego de uma cuidadora de idosa que, por três anos, prestou serviços para a mãe da empregadora, que necessitava de cuidados ininterruptos. A Turma entendeu que o trabalho, realizado de forma contínua, integrava a rotina semanal da residência.

A decisão reformou o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) de que a empregada não trabalhava em prol da família, "que é o destinatário do trabalho doméstico, mas somente em relação à pessoa idosa". Por isso, manteve a sentença que havia indeferido o vínculo empregatício requerido pela trabalhadora.
Segundo o relator do recurso da cuidadora, desembargador convocado Cláudio Couce, o TRT anotou que a filha da idosa admitiu a prestação de serviços na condição de autônoma, sem existência de vínculo empregatício. Para o relator, uma vez admitida a prestação de serviços, de finalidade não lucrativa à família, no âmbito residencial, cabia à empregadora provar que o trabalho não era realizado de forma contínua, o que não fez.
Trabalho doméstico
A cuidadora trabalhou na residência entre 2008 e 2011, e fazia 15 ou 16 plantões noturnos por mês, junto com uma equipe de cuidadoras, O desembargador Cláudio Couce esclareceu que a Lei 5.859/72, que dispõe sobre a profissão de empregado doméstico, exige que a prestação de serviços tenha natureza contínua.
No caso, a continuidade do serviço não pode ser afastada pelo fato de a empregada não ser obrigada a trabalhar todos os dias, porque não se trata de típico trabalho doméstico prestado por faxineiras, mas de "cuidados constantes de enfermagem para um idoso doente no âmbito residencial". A cuidadora trabalhava no período noturno, com alto grau de responsabilidade, justificando o regime de plantão de revezamento com outras técnicas de enfermagem, acrescentou.
Considerando que a decisão regional violou o artigo 1º da Lei 5.859/72, uma vez que foram preenchidos todos os requisitos para a caracterização do vínculo empregatício, o relator deferiu o vínculo de emprego doméstico pedido pela cuidadora, determinando o retorno do processo à origem para julgamento dos demais pedidos formulados na reclamação. A decisão foi por unanimidade.
Processo: RR-1238-14.2011.5.01.0035
Fonte: TST


FIQUE POR DENTRO DO ASSUNTO:

A matéria apreciada no recurso interposto perante a segunda turma do Tribunal Superior do Trabalho, teve como objetivo, em síntese, declarar se a relação mantida entre a cuidadora de idoso no âmbito residencial daquela família era de trabalho ou de emprego doméstico.

Em que pese à utilização generalizada dos termos - trabalho e emprego - como se fossem sinônimos, relação de trabalho e relação de emprego são conceitos bastante distintos.

Para a doutrina moderna, relação de trabalho tem sentido amplo. É todo vínculo jurídico através do qual uma pessoa presta serviços a outrem, recebendo, ou não, por isso uma contraprestação. A contratação de serviços de profissionais liberais, autônomos, trabalhadores avulsos, estagiários, voluntários, etc., são exemplos clássicos de relação de trabalho.
   
Ao contrário, a relação de emprego é aquela em que uma pessoa física presta serviços subordinado a outrem de forma não eventual e mediante o recebimento de contraprestação (recebimento de remuneração).

Diante dos conceitos apresentados já é possível afirmar, seguramente, que a relação de trabalho é gênero da qual a relação de emprego é espécie. E isso implica afirmar que toda relação de emprego corresponde a uma relação de trabalho, mas nem toda relação de trabalho corresponde a uma relação de emprego.

Somente após o reconhecimento do vínculo de emprego, com algumas exceções constitucionais, é que possível declarar se o trabalhador faz jus ao recebimento de diversas verbas trabalhistas: FGTS, férias, 13° salário, aviso prévio, seguro desemprego, etc.  E o litígio levado para apreciação da Justiça do Trabalho teve como objetivo, justamente dirimir sobre essa questão.

Entretanto, para declarar a existência da relação de emprego necessário se fez observar a presença dos seguintes elementos:

a) trabalho realizado por pessoa física;
b) pessoalidade;
c) não eventualidade;
d) onerosidade; e
e) subordinação.

Alguns doutrinadores trabalhistas a exemplo de Sergio Pinto Martins, juiz do trabalho em São Paulo, também buscam fazer referência ao critério da alteridade, que vem do latim alteritas, alter, princípio trabalhista segundo o qual o empregado presta serviços por conta alheia, devendo os riscos da atividade exercida ser suportados, unicamente, pelo empregador. Do contrário, se o empregado está assumindo os riscos inerentes à atividade (Ex.: arca com prejuízos oriundos do empreendimento/negócio) caracterizado está um contrato de sociedade, nunca de emprego.

Entendendo os elementos supracitados:

A) - PESSOA FÍSICA:
Na relação de emprego o trabalho deve ser sempre prestado por pessoa física, do contrário, se pessoa jurídica, estar-se-ia diante de um contrato de prestação de serviço.

B) - PESSOALIDADE:
O labor deve ser exercido com pessoalidade, isso significa dizer que o contrato de emprego é de caráter personalíssimo, não podendo haver substituição do empregado por outrem, sob pena de descaracterização do vínculo. Exemplo de relação trabalhista que não observa o caráter da pessoalidade é aquela em que a pessoa cumpre o horário integral hoje e amanhã envia outra pessoa para substituí-lo no trabalho.

C) - NÃO EVENTUALIDADE:
A não eventualidade diz respeito ao labor realizado de forma contínua e duradora e não eventualmente, a aquele trabalho que não se realiza esporadicamente. Ex.: serviços realizados pelas diaristas. Do contrário estaríamos diante de uma relação de trabalho eventual, nunca de emprego.

D) - ONEROSIDADE:
Outro requisito indispensável é a onerosidade. Sem a onerosidade, ou seja, sem o pagamento de uma contraprestação/remuneração pelo empregador é impossível a caracterização do vínculo de emprego. Se o trabalho não é remunerado é trabalho voluntário, nunca relação de emprego. O empregado tem o dever de prestar serviços e o empregador, em contrapartida, deve pagar o salário.

E) - SUBORDINAÇÃO:
Finalmente, se faz necessário tecer considerações acerca do critério da subordinação, sem este elemento, impossível se pensar em relação de emprego, haja vista que a subordinação está intimamente relacionada com o poder de mando e comando que detém o empregador. Insubordinação é o não cumprimento das ordens emanadas diretamente daquele que contrata, enquanto que a indisciplina é o descumprimento de toda e qualquer determinação ou regimento interno direcionado a todos os empregados. Aquele que presta serviços autônomos não é empregado, justamente por não receber ordens, não ser subordinado a ninguém.

No tocante a matéria sob análise

O trabalhador doméstico, em que pese enquadrar-se também no conceito de empregado – espécie do gênero trabalhador –, é regido por uma legislação própria, a Lei 5.859/72. É todo aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas: empregadas domésticas (sentido estrito), passadeiras, arrumadeiras, caseiros, jardineiros, enfermeiros que acompanham pessoa da entidade familiar, motoristas, mordomos, babás, etc. 

Um ressalva deve ser feita: se a atividade exercida pela entidade familiar tem finalidade lucrativa – como exemplo a fabricação de bolos para festas de aniversários, fabricação de fogos de artifícios, etc. –, a relação será regida pela CLT e não pela lei supracitada.  Não é emprego doméstico.

Deste conceito, destacamos os seguintes elementos:

·   Prestação de serviço de natureza não lucrativa;
·   À pessoa física ou à família, no âmbito residencial das mesmas;
·   Continuadamente.

Por derradeiro, a decisão proclamada no recurso sob análise, como se viu, declarou o vínculo de emprego doméstico e determinou a remessa/retorno do processo para o juízo de 1° grau, para que julgasse os demais pedidos que havia indeferido por força do não reconhecimento do vínculo empregatício.  
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RONALDO MARINHO é bacharel em Direito pela FACISA - Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Campina Grande, Paraíba -, Advogado, com Pós-graduação em Direito Trabalhista e Previdenciário, membro do Escritório MARINHO Advocacia.

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