sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Por uma Ciência Jurídica mais interpretativa, digamos não ao “engessamento” das decisões judiciárias



Uma das características mais importantes no Direito é a possibilidade e a necessidade de interpretação e argumentação por parte do aplicador da norma jurídica.
Todavia, ultimamente essa necessidade indispensável de interpretação e argumentação vem sendo tolhida por conta de uma espécie de “engessamento” interpretativo oriundo dos tribunais superiores, tendo inclusive impossibilitado o dinamismo da ciência jurídica naquilo que há de mais importante, qual seja a utilização efetiva de métodos hermenêuticos, haja vista a existência da vasta jurisprudência consolidada em diversas súmulas e orientações acerca das questões levadas a apreciação do judiciário, especificamente no Tribunal Superior do Trabalho.   
O que se percebe com tais práticas, é que os tribunais ao criarem e consolidarem suas súmulas, mesmo sabendo que muitas delas fazem referência a diversos casos análogos analisados, atipicamente o judiciário invade a esfera do Poder Legislativo, quando excessivamente se volta a criação de novos mecanismos que provocam indiscutivelmente o “engessamento” das decisões e interpretações diante de cada caso concreto.
Conforme preleciona o juiz substituto do trabalho em São Paulo e ex-professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Eduardo Rockenbach Pires, no judiciário “a ausência de discussões e polêmicas pode trazer sérios prejuízos”. Afirma ainda o magistrado que “é saudável para o próprio Direito que haja discussões em torno da interpretação das normas; é dessas discussões que nasce a consolidação do Direito vigente”.
Conforme é possível observar, em especial na esfera do direito do trabalho, sempre que publicada a norma jurídica, ou até mesmo qualquer alteração nas já existentes, já se escutam os rumores de que "o Tribunal Superior do Trabalho irá revogar a súmula x e alterar a súmula y".
O que se percebe com tais práticas,  refiro-me às vezes em que algumas súmulas são revogadas ou alteradas, é que os tribunais, representados pelos desembargadores ou ministros, visam apenas defender os seus próprios interesses quando buscam reduzir com isso o número de processos que são levados para sua apreciação, impossibilitando já naquele momento imediato de publicação da norma, que aplicadores do direito – juízes e advogados nos diversos recantos do país interpretem e discutam a norma, verdadeira hipótese de efetivação e manifestação da ciência jurídica.
A própria Associação dos Magistrados do Brasil – AMB, em 2010, lançou uma cartilha intitulada “Propostas da Associação dos Magistrados Brasileiros para o Novo Código de Processo Civil”, onde foi possível constatar que maioria das propostas apresentadas estão intimamente ligadas a redução do número de processos no judiciário, especificamente no que diz respeito a possibilidade de interposição de diversos  recursos hoje existentes no processualística civil, propostas essas que buscam atender somente os interesses da classe, contrariando por conseqüência o direito de acesso ao duplo grau de jurisdição e aos próprios anseios da justiça social. Buscam com isso a "celeridade", redução no número de processos levados ao judiciário, mas não a efetividade da Justiça.
Ainda fazendo uso das palavras do juiz e professor Eduardo Rockenbach, não existe uma preocupação nesse instante de discutir “a questão de estar ou não esse ou aquele verbete de tribunal prejudicado por legislação superveniente”, pois a súmula de cada tribunal, conforme já afirmamos antes, depende como características próprias, de reiteradas decisões tomadas no mesmo sentido, cujo objetivo deveria ser apenas sinalizar os entendimentos que já foram pacificados no âmbito daquela corte que edita a referida súmula.
O que se pretende contestar é a possibilidade de “engessamento” de um novo dipositivo normativo, se não existe ainda casos nenhum decididos sobre a égide dessa nova lei, tão pouco no âmbito do TST, pois os processos demoram muito até chegar aqui, devendo qualquer deliberação desse tribunal, no que diz respeito a recém criada legislação, ser considerado e aceita apenas como mero juízo teórico.
Entretanto, não é isso que ocorre quando uma norma recém publicada provoca revogação e alteração nas súmulas já existentes, uma vez que essas novas súmulas não funcionam apenas como meros juízos teóricos, passam a integrar disposições para tomada de decisões em casos concretos.
O que se tem observado, especificamente no âmbito do Judiciário Trabalhista, é que os aplicadores do Direito têm considerado as súmulas não apenas como verbetes que sinalizam entendimentos homogêneos de um tribunal, mas sim como norma jurídica em tese.
Conforme preceitua Eduardo Rockenbach,

 
não raro, julgamentos em primeiro e segundo graus são fundamentados exclusivamente em súmulas de tribunais superiores, como se tratasse de lei formal. Progredindo essa realidade a passos largos, em breve a publicação de lei federal virá acompanhada de uma súmula de tribunal superior, já conferindo a “melhor” interpretação da norma editada. Tudo para evitar o “caos” das diversas interpretações que insistem em surgir nas primeiras instâncias do Poder Judiciário, e para gerar a tão valorizada segurança jurídica.


Continua:


O ordenamento jurídico brasileiro não autoriza, contudo, esse comportamento. Não é adequada, então, a motivação de sentenças (Constituição Federal, artigo 93, IX) exclusivamente em verbete jurisprudencial; este pode corroborar a interpretação do Direito que é exposta na sentença, de modo a reforçar a fundamentação da decisão. Nunca figurar como fundamento único. Súmula, definitivamente, não é lei; não é norma jurídica. A jurisprudência não é fonte imediata do direito, mas sim mediata.

Ademais, como já foi ressaltado, o “caos” das interpretações distintas faz parte da sedimentação dos entendimentos jurídicos que pacificarão a sociedade. Sem esse movimento dialético, não há consolidação democrática de entendimentos jurídicos, e consequentemente não haverá segurança jurídica.


O TST possui centenas de verbetes de jurisprudência, entre súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos. Sobre quase todos os temas de sua competência. E a realidade forense indica que essas centenas de enunciados são vistos e aplicados, muitas vezes, como se fossem leis. Não sempre, ressalve-se. Há fortes resistências quanto à perigosa aplicação de verbetes desprovida de análise crítica.

Em síntese, essa prática desenfreada de aplicação de súmulas, especificamente quando oriundas de inovações recentes da norma jurídica trabalhista, precisa urgentemente ser repensada, haja vista que não permite a utilização necessária de métodos hermenêuticos interpretativos e argumentativos para o caso concreto, além de retirar do magistrado de primeiro grau a possibilidade e obrigatoriedade de interpretação e aplicação fundamentada das leis, dever funcional e inafastável de um juiz.

Ronaldo Marinho - Bacharel em Direito pela Facisa - Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Campina Grande, Paraíba, Advogado com especialização em Direito Trabalhista e Previdenciário, membro do Escritório MARINHO Advocacia.

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