Após observar inúmeras postagens e
comentários desarrazoados nas redes sociais acerca da recente decisão
proclamada pelo Supremo Tribunal Federal, que julgou pela inconstitucionalidade
da vaquejada, resolvi tecer estas breves considerações acerca do assunto.
Convém inicialmente ressaltar que o
presente trabalho tem por objetivo, além de tentar responder algumas indagações que me foram formuladas por clientes e
amigos, expor e analisar, de forma sucinta, os aspectos principais da Ação
Direta de Inconstitucionalidade – ADI, em especial a decisão proclamada pelo
STF na ADI 4983, por meio da qual o Procurador Geral da República – Rodrigo Janot,
questionou a constitucionalidade da Lei 15.299/2013, do Estado do Ceará, que em
seu texto regulamentava a vaquejada como prática desportiva e cultural daquele Estado.
Acrescente-se ainda que não tenho nenhuma pretensão de expor
meu posicionamento pessoal acerca da decisão questionada, muito menos arriscarei
tentar exaurir a matéria inerente ao controle de constitucionalidade concentrado, que
inclusive é tema de vários livros e trabalhos científicos.
2. DOS ASPECTOS
PROCESSUAIS DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ADI
Pois bem, prezados leitores e
amigos, preliminarmente é importante que se diga que a decisão questionada não
foi proclamada pelo judiciário após provocação de qualquer pessoa física ou jurídica. Trata-se, na verdade, de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
- ADI, que tem como objetivo, desde que julgada procedente, declarar a nulidade de uma lei ou ato
normativo e, por consequência, tira-lo do sistema jurídico por vicio de ilegalidade, declarando assim a sua inconstitucionalidade.
E a idéia de controle de
constitucionalidade das leis, segundo Alexandre de Morais (Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p 598), “está
ligada à Supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico”. Isso
implica dizer que, se a lei não se amolda aos princípios e objetivos fundamentais
traçados pela Constituição Republicana de 1988, deve ser declarada inconstitucional
e retirada do ordenamento jurídico.
Segundo a doutrina de Marcelo
Novelino, “trata-se de um processo constitucional de índole objetiva, sem
partes formais, podendo ser instaurado independente de um interesse jurídico
específico”. (Direito Constitucional. 2. ed.
São Paulo: Metodo, 2008. p. 120).
3. DO
PRAZO
O ajuizamento da ADI não se sujeita
à observância de qualquer prazo de natureza prescricional ou de caráter decadencial,
pois os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo decurso do tempo.
4. DOS
LEGITIMADOS
Como já dito, não se trata de ação
que pode ser ajuizada por qualquer pessoa, pois a própria Constituição Federal
em seu art. 103, com redação determinada pela Emenda Constitucional 45/2004, cuidou de delimitar os legitimados, senão vejamos: a) o Presidente da República; b) a mesa
do Senado Federal; c) a mesa da Câmara dos Deputados; d) a mesa das Assembléias
Legislativas dos Estados; e) o Governador de Estado ou do Distrito Federal; f) o
Procurador Geral da República; g) a OAB – Ordem dos Advogados do Brasil, por
intermédio do Conselho Federal; h) partido político, desde que tenha
representação do Congresso Nacional; i) Confederação Sindical ou Entidade de
Classe de âmbito nacional.
A ADI 4983, como já afirmado, foi
proposta pelo Procurador Geral da República, que é o “chefe” do Ministério
Público Federal.
5. SOBRE A ADI 4983, DO ESTADO DO CEARÁ
Trata-se de Ação Direta de
Inconstitucionalidade que teve como relator do
processo no STF o Ministro Marco Aurélio. A ação, como já dito, foi proposta pelo Procurador Geral da
República, contra a lei 15.299/2013, do Estado do Ceará, que regulamentava a
vaquejada como prática desportiva e cultural.
Tive a oportunidade de analisar a
petição inicial e, segundo os fundamentos utilizados pelo Procurador Geral
da Republica, a referida lei cearense violava a regra disposta no art. 225, §1º, VII
da Constituição da República. Descreverei aqui o texto da norma constitucional
citada, para que o nobre leitor possa me acompanhar no raciocínio lógico, in verbis:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao
Poder Público:
[...]
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei,
as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de
espécies ou submetam os animais à crueldade.
Ainda segundo os argumentos empregados
pelo Procurador, a questão ora em debate envolvia "conflito
entre a preservação do meio ambiente e a proteção conferida as manifestações culturais
enquanto expressões da pluralidade”. Sustentou ainda que a solução do problema
deveria passar pela análise concreta dos seguintes pontos: “i) da efetiva prática da
vaquejada; ii) da perspectiva atual sobre o meio ambiente; e iii) dos limites
jurídicos as manifestações culturais”.
Ao tratar especificamente acerca da
pratica da vaquejada na exordial, o autor descreveu de forma sucinta as técnicas empregadas e a forma como o esporte é praticado, relatou os números financeiros movimentados na economia e mencionou
ainda que a vaquejada é considerada uma prática esportiva e culturalmente fundada
no Nordeste do Brasil – e aqui vai o meu repúdio porque escreveu nordeste com “N”
minúsculo.
A ação encontrava-se fundamentada, basicamente, no laudo técnico elaborado pela Dra. Irvênia Luíza de Santis Prada, que sustentava em suas conclusões que os atos da vaquejada “acarretam danos aos animais”. A transcrição do trecho do laudo encontra-se na petição inicial.
A ação encontrava-se fundamentada, basicamente, no laudo técnico elaborado pela Dra. Irvênia Luíza de Santis Prada, que sustentava em suas conclusões que os atos da vaquejada “acarretam danos aos animais”. A transcrição do trecho do laudo encontra-se na petição inicial.
Ainda com desígnio de fundamentar melhor a
ação, o autor fez ainda referência a estudos realizados pela Universidade Federal de
Campina Grande/PB – UFCG, que também revelaram em suas conclusões que “os cavalos utilizados na
vaquejada também sofrem lesões e danos irreparáveis em razão da atividade”. Transcreveu ainda as conclusões obtidas nas respectivas pesquisas e concluiu afirmando, creio que com o desígnio de tentar amoldar as condutas praticadas na vaquejada a norma expressa no art. 225, §1º,
VII, da CF, ao sustentar que “a vaquejada enseja danos consideráveis ao animais, podendo ser
taxada de prática que implica tratamento cruel e desumano às espécies que dela
participam".
Ato contínuo, fez referencia a
concepção constitucional do meio ambiente e aos limites que devem ser impostos
as manifestações culturais e, por fim, requereu que a ação fosse julgada
procedente, a fim de que se declarasse a inconstitucionalidade da Lei
15.299/20013, do Estado do Ceará.
6. DA
DECISÃO PROCLAMADA PELO STF NOS AUTOS DA REFERIDA ADI
Após o voto do Ministro Marco Aurélio (Relator),
julgando procedente o pedido formulado na ADI, e os votos dos
Ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes,
que o julgavam improcedente, pediu vista dos autos o
Ministro Roberto Barroso.
Ausente, justificadamente, o
Ministro Teori Zavaski.
Falou, pelo requerente, o Dr.
Rodrigo Janot Monteiro
de Barros, Procurador-Geral da República, e, pelo amicus curiae (amigo da corte),
a Associação Brasileira de Vaquejada
– ABVAQ, os Drs. Antônio Carlos de
Almeida Castro, OAB/DF 4.107, e
Vicente Martins Prata Braga, OAB/CE 19.309, sob a Presidência
do Ministro Ricardo Lewandowski.
Com os votos dos Ministros Roberto
Barroso, Rosa Weber e Celso de Mello, julgando procedente o pedido formulado na
ação, e os votos dos Ministros Teori Zavascki e Luiz Fux, julgando-o
improcedente, pediu vista dos autos o
Ministro Dias Toffoli.
A ação foi incluída em pauta na última quinta feira (06/10) e foi presidida pela Ministra Cármen Lúcia, quando a Suprema Corte decidiu, por maioria de 6 x 5, e nos termos do voto do Relator, julgar procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 15.299/2013, do Estado do Ceará. Foram vencidos os votos dos Ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Teori Zavascki, Luiz Fux e Dias Toffoli. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes, que já haviam proferido seus votos em assentada anterior.
A ação foi incluída em pauta na última quinta feira (06/10) e foi presidida pela Ministra Cármen Lúcia, quando a Suprema Corte decidiu, por maioria de 6 x 5, e nos termos do voto do Relator, julgar procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 15.299/2013, do Estado do Ceará. Foram vencidos os votos dos Ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Teori Zavascki, Luiz Fux e Dias Toffoli. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes, que já haviam proferido seus votos em assentada anterior.
7. BREVE
ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA DECISÃO
A questão posta em discussão me fez
lembrar o saudoso magistério do ilustre e sempre professor, hoje também colega de
profissão, Aécio Melo, de quem tive a honra de aprender – e jamais deverei esquecer
– que quando o aplicador da lei se deparar com a existência de um conflito jurídico
envolvendo princípios constitucionais, deve-se valer da técnica da ponderação de
valores e analisar, sobretudo, as questões de razoabilidade e proporcionalidade. É que os princípios são abertos
ao diálogo, pois, entre antinomias de princípios deve imperar a razão. Os
princípios não obedecem á lógica do “tudo ou nada”, mas se submetem a
ponderação dos valores. O afastamento de um princípio da análise do caso
concreto não o invalida ou exclui do ordenamento jurídico, mas simplesmente o
desconsidera para solução do caso concreto.
Regressando para análise especifica
da decisão proclamada na ADI 4983/CE, que questionou a constitucionalidade da
Lei 15.299/2013, do Estado do Ceará, que em seu texto regulamentava a vaquejada
como prática desportiva e cultural daquele Estado, imperioso ainda transcrever
a fundamentação utilizada pelo Procurador Geral da República em seu petitório
exordial, ao afirmar que a questão ora em debate envolvia conflito de
interesses entre a preservação do meio ambiente e a proteção que deveria ser conferida
as manifestações culturais.
E a discussão travada na ADI 4983
versava, indiscutivelmente, acerca do conflito de interesses ente dois princípios
constitucionais: A NECESSIDADE DE PRESERVAR O MEIO AMBIENTE X A NECESSIDADE DE ASSEGURAR AS MANIFESTAÇÕES
CULTURAIS.
Pois bem, diante dessa situação, o
Colendo STF, intitulado guardião da Constituição Federal, resolveu o conflito a
luz da ponderação de valores e princípios, e fundamentou a sua decisão na necessidade e
dever constitucional de preservação do meio ambiente.
Aliás, a defasa de um “meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida” é um direito fundamental do homem e encontra-se expressamente
disposto no caput do art. 225, da CF, que impões, inclusive, “ao Poder Público e
à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações”.
Por sua vez o §1º, VII, do mesmo
dispositivo de lei, dispõe que “para assegurar a efetividade desse direito,
incumbe ao Poder Público: [...] proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma
da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a
extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade”.
8. DA
CONCLUSÃO E DOS EFEITOS JURÍDICOS ORIGINADOS NAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE
Bem, como o objetivo deste trabalho
foi esclarecer possíveis dúvidas e responder vários questionamentos que me foram feitos acerca do assunto no decorrer da semana, notadamente no sentido de fazer uma
exposição jurídica dos aspectos principais que envolvem a ADI 4983, que questionava a constitucionalidade da Lei
15.299/2013, do Estado do Ceará, creio que está na hora de responder as perguntas
que não querem calar:
a) ESTÁ PROIBIDA DEFINITIVAMENTE A REALIZAÇÃO DE VAQUEJADAS NO BRASIL?
b) AINDA CABE ALGUMA ESPÉCIE DE RECURSO PROCESSUAL?
a) ESTÁ PROIBIDA DEFINITIVAMENTE A REALIZAÇÃO DE VAQUEJADAS NO BRASIL?
b) AINDA CABE ALGUMA ESPÉCIE DE RECURSO PROCESSUAL?
Vejamos: assim como em toda decisão
proferida por um magistrado no exercício pleno da sua função jurisdicional – que
é dizer o direito no caso concreto –, as decisões proclamadas em sede de
controle de constitucionalidade, via Ação Direta de Inconstitucionalidade, também produzem efeitos que devem ser cumpridos. Senão vejamos:
A) DO EFEITO
VINCULANTE (vincula a todos): toda decisão proclamada em sede de ADI pelo STF, tem efeito vinculante
em relação aos órgão do Poder Judiciário e da Administração Pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (EC 45/2004). E isso
implica dizer que tanto o Poder Judiciário, quanto a Administração Publica, tem
o dever de cumprir a determinação da Suprema Corte de Justiça.
A titulo de
exemplo, é possível afirmar que, após a proclamação e o transito em julgado da referida decisão, se alguém
requerer a liberação de Alvará de Autorização perante o Poder Público para fins
de realização de uma vaquejada, este estará obrigado a indeferir o requerimento face
ao efeito vinculante imposto pela decisão do STF;
B) DO EFEITO ERGA
OMNS (em face de todos): é um termo jurídico em latim que significa que uma
norma ou decisão valerá para todos. Por exemplo, a coisa julgada erga omnes vale contra todos, e não só
para as partes em litígio, como no processo comum. Essa é a regra expressa do art. 102, § 2º, da Constituição
Federal;
C) DO EFEITO EX NUNC (de agora, a partir do presente): terá plena eficácia após o
transito em julgado da decisão.
No mais, quanto a última indagação, se
ainda cabe alguma espécie de recurso, cumpre informar, por derradeiro, que as decisões proclamadas nas Ações Direta de Inconstitucionalidade são, de regra, irrecorríveis (salvo a possibilidade de interposição de Embargos de Declaração)
e irrescindíveis.
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