Na última semana publicamos matéria sobre a Rescisão
Indireta do Contrato de Trabalho, que, como o próprio nome sugere, trata-se de uma
forma indireta do trabalhador postular a rescisão do contrato de emprego, sem
abrir mão dos seus direitos, quando o empregador comete qualquer das faltas
graves previstas no Art. 483, da CLT.
Hoje, ao avesso da Rescisão Indireta, discorreremos
sobre a Justa Causa, modalidade de rescisão do contrato também prevista na
Consolidação das Leis do Trabalho, de modo especial no Art. 482, em virtude do
cometimento de falta grave por parte do empregado.
A falta grave suscetível de autorizar a aplicação da
justa causa, medida extrema que acarreta graves prejuízos ao
trabalhador, não pode ser interpretada como qualquer comportamento do obreiro,
mesmo que reprovável, mas apenas aqueles previstos em lei, que por sua natureza
inviabilizam a continuidade da relação empregatícia em decorrência da quebra de
confiança e boa-fé intrínseca ao contrato de emprego. O ato faltoso tanto pode originar-se do descumprimento das obrigações contratuais quanto de comportamentos inadequados do empregado.
Segundo a norma inserta no Art. 482, da CLT,
constituem motivos para decretação da justa causa e rescisão do contrato de
trabalho pelo empregador:
a) Ato de improbidade: a palavra improbidade do laim improbitas, que significa má qualidade, imoralidade, desonestidade,
consiste em qualquer conduta do trabalhador no intento de furtar ou
apropriar-se, para si ou para outrem, de objetos, valores ou cometer qualquer
ato visando auferir vantagens em prejuízo do patrimônio da empresa, como, por
exemplo, alteração de apontamentos de horas extras, apropriação indébita de
importância do caixa, apresentação de atestados médicos falsos, dentre outras.
Essa falta, se comprovada pelo empregador, é
considerada gravíssima e os Tribunais Superiores entendem que não há necessidade de aplicação de advertência ou suspensão prévia, tendo em vista que esse tipo de conduta
abala instantaneamente a relação de confiança que existia antes,
independentemente do tamanho do prejuízo causado ao patrimônio da empresa;
b) Incontinência
de conduta ou mau procedimento: a incontinência está ligada ao
desregramento do empregado no tocante à vida sexual e restará configurada quando este cometer assédio sexual, ofensa ao pudor, pornografia ou obscenidade em face do empregador ou demais colegas de trabalho. Já o mau
procedimento, por ser muito subjetivo, pode ser considerado qualquer ato
faltoso não previsto no rol do art. 482, da CLT, o que torna muito difícil a
aplicação da despedida por justa causa por esse último motivo;
c) Negociação
habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando
constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou
for prejudicial ao serviço: a negociação habitual apta a ensejar a justa
causa, é aquela que ocorre sem a permissão do empregador e quando constituir
ato de concorrência à empresa, ou for prejudicial ao serviço.
Apenas a título de exemplo, se o empregador permite
que a recepcionista ofereça e venda perfumes, bijuterias ou maquiagens aos
clientes, se a negociação não constitui concorrência com o ramo de
atividade da empresa, não prejudicando o desenvolvimento do serviço, não é
motivo para demissão por justa causa;
d) Condenação
criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da
execução da pena: o empregador somente poderá rescindir o contrato de
trabalho em virtude de condenação criminal se a Sentença já transitou em
julgado. Se o processo ainda encontra-se passível da apreciação de Recursos
perante os Tribunais Superiores, a Sentença condenatória de primeiro grau ainda
poderá ser revertida e o empregado absolvido, razão pela qual a condenação
criminal ensejadora da demissão por justa causa, seja qual for o crime
praticado, é aquela que já transitou em julgado, cuja prova deve ser feita com
a devida Certidão de Transito em julgado, expedida pelo juízo da Vara Criminal
em que o trabalhador foi processado.
e) Desídia no
desempenho das respectivas funções: a desídia restará configurada quando comprovado
que o empregado labora com negligência, preguiça, má vontade, desleixo,
desatenção. Trata-se de espécie de falta que, em decorrência da subjetividade das
condutas epigrafadas, dificulta bastante a comprovação do ato e por
consequência a aplicação da justa causa;
f) Embriaguez
habitual ou em serviço: a embriaguez pode ser proveniente de álcool ou de
drogas e o que a legislação trabalhista tipifica como justa causa é a
embriaguez habitual e não o simples ato de beber, independentemente de ser no
serviço ou não. Para tanto, o empregador deverá comprovar que o empregado
embriaga-se habitualmente, mesmo que fora do serviço, de modo prejudicar o desempenho das suas atividades no trabalho. O ato de beber, mesmo
que habitualmente, uma dose de aperitivo no intervalo do almoço não pode ser
motivo para demissão por justa causa, pois o que a lei tipifica é a embriagues
habitual.
Cumpre ressaltar que o alcoolismo foi reconhecido
como doença pela Organização Mundial de Saúde – OMS, inclusive já passou a
constar na Classificação Internacional de Doenças (CID) nos seguintes códigos: CID
10 (transtornos mentais e do comportamento decorrentes do usos de álcool); CID 291
(psicose alcoólica); CID 303 (síndrome de dependência do álcool) e CID 305
(abuso do álcool sem dependência), razão pela qual entendemos que, comprovado
que o trabalhador é portador de qualquer das CIDs mencionadas, jamais poderá
ser dispensado por justa causa, mas encaminhado para o INSS a fim de requerer a
concessão de Auxílio Doença, mantendo-se o contrato de trabalho suspenso até
integral recuperação do trabalhador.
g) Violação de
segredo da empresa: comete falta grave o trabalhador que viola segredo da
empresa, dentre os quais: a divulgação de marcas e patentes, fórmulas
utilizadas na fabricação de produtos, etc. Um exemplo clássico comumente
utilizado pela doutrina seria a hipótese de um funcionário da Coca-Cola
divulgar ou vender a fórmula de fabricação da Coca, tão cobiçada, para outra
empresa do ramo.
h) Ato de indisciplina
ou de insubordinação: comete ato de indisciplina o empregado que, mesmo
tendo conhecimento, se recusa cumprir o regulamento interno da empresa, normalmente
disponibilizado através de circulares, portarias, como por exemplo, as determinações
do empregador quanto as normas de segurança do trabalho ou uso dos Equipamentos
de Proteção Individual – EPIs. Por ouro lado, comete insubordinação o empregado
que não cumpre as ordens e determinações advindas diretamente da pessoa do empregador
ou prepostos da empresa. Não existe contrato de emprego sem subordinação. Ou o
trabalhador aceita ser subordinado ao patrão, ou não existe relação de emprego
entre eles.
Bom lembrar que a subordinação não obriga o
empregado cumprir qualquer ordem do empregador, tendo em vista que o já
estudado art. 483, “a”, da CLT, que
trata das faltas graves cometidas pelo empregador, é categórico ao assegurar
que o trabalhador não está obrigado a realizar serviços superiores às suas
forças, proibidos por lei, contrários aos bons costumes, ou distinto daquele
para o qual foi contratado. Diante de qualquer destas hipóteses, poderá o
trabalhador recusar-se sem perigo ser demitido por justa causa.
i) Abandono de
emprego: resta configurado o abandono de emprego quando o empregado, intencionalmente,
abandona o posto de trabalho por mais de 30 dias contínuos sem apresentar
motivos. Segundo o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, presume-se o
abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30
dias, após ao termino do benefício previdenciário.
Ao contrário do que muitos pensam, a empresa não está
obrigada a notificar previamente o trabalhador para retornar ao posto de
trabalho, como era comum observa-se em classificados de jornais. Muitas empresas
adotam a notificação judicial ou extrajudicial como forma de garantir segurança
na hora de formalizar a demissão do trabalhador por justa causa.
j) Ato lesivo
da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas
físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de
outrem: comete falta grave o empregado que fere a
honra e a boa fama do empregador, ou qualquer pessoa dentro da empresa, com
atitudes, palavras ou gestos, normalmente manifestados por calúnia, injúria e difamação. Incorrerá na mesma falta
o empregado que praticar ofensas físicas contra as mesmas pessoas, salvo em
caso de legítima defesa própria ou de outrem.
l) Prática
constante de jogos de azar: é ônus do empregador comprovar que a prática de
jogos de azar é habitual e, principalmente, se prejudica o desenvolvimento da
atividade. Se o trabalhador pratica o ato de forma isolada, não há que se
cogitar em justa causa. Segundo o entendimento do Tribunal Superior do
Trabalho, para configuração desta modalidade de falta grave, pouco importa se o jogo
habitual é ou não a dinheiro.
m) Perda da
habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão,
em decorrência de conduta dolosa do empregado. (Incluído pela Lei nº 13.467/2017
– Reforma Trabalhista): poderá também ser demitido por justa causa o
empregado que perdeu a habilitação ou os requisitos exigidos por lei para o
exercício da profissão. É ônus da empresa provar que o fato se deu em decorrência
de conduta dolosa do empregado. Cite-se como exemplo o médico que perdeu o
direito de exercer a profissão após ser condenado pelo Conselho de Medicina, após
praticar conduta dolosa no exercício da profissão.
Dispõe ainda o Parágrafo único do art. 482, da CLT,
que constitui igualmente justa causa a prática, devidamente comprovada em
inquérito, de atos atentatórios à segurança nacional.
DE QUEM É O ÔNUS DA
PROVA
Conforme já exposto, a jurisprudência de diversos
Tribunais Regionais do Trabalho, inclusive do TST, é uníssona no sentido de que a comprovação dos
elementos caracterizadores da justa é ônus do empregador, dos quais deve se
desvencilhar nos termos do inciso II, do art. 818, da CLT. In verbis:
- DESPEDIDA POR JUSTA CAUSA.
A despedida por justa causa constitui a pena mais grave que pode ser aplicada
ao empregado, exige robusta comprovação em juízo acerca do ato faltoso, quanto
à sua materialidade e autoria, cujo ônus recai sobre o empregador que o alega. Não tendo a reclamada comprovado a
prática do alegado ato de desídia pelo empregado, a justificar a sua despedida
motivada, impõe-se o reconhecimento da despedida sem justa causa. (...)
(Processo 0143600-92.2009.5.04.0401 (RO) Redator:IRIS LIMA DE MORAES Data:
30/01/2013 Origem: 1ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul).
- DESPEDIDA POR JUSTA
CAUSA. É ônus da empregadora comprovar que o empregado cometeu a falta
grave alegada, por ele negada. Não
tendo produzido provas neste sentido, é irreformável a decisão que converteu a
despedida por justa causa em despedida injusta, condenando-a em verbas
rescisórias.(...) (Processo 0350200-12.2005.5.04.0232 (RO)
Redator:MARIA CRISTINA SCHAAN FERREIRA Data: 28/06/2007 Origem: 2ª Vara do
Trabalho de Gravataí).
Ressalte-se, ainda, que para justificar a ruptura do
contrato de trabalho por justa causa, é imprescindível que o empregador apresente,
além da prova irretorquível do cometimento da FALTA GRAVE, a ATUALIDADE
e a PROPORCIONALIDADE
da sanção aplicada, sob pena de reversão da justa causa pelo Poder
Judiciário.
COMO PROCEDER
O TRABALHADOR EM CASO DE DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA
Pois bem, comprovada qualquer das faltas graves mencionadas,
o empregador poderá demitir o empregado por justa causa. Para tanto,
considerando as especificidades de cada caso, se você foi demitido por justa
causa, é recomendável que a situação seja analisada minuciosamente por um
advogado especialista no assunto, a fim de aferir a legalidade da demissão, de
modo especial se foram observados todos os requisitos exigidos por lei, sob
pena de violação aos mais elementares princípios do direito do trabalho.
A rescisão por “justa causa” poderá ser revertida através
do ajuizamento de Ação Judicial competente perante uma das Varas do Trabalho.